Pelo quarto ano consecutivo voltei à Serra da Mantiqueira para a Brazil 135 Ultramarathon, desta vez para minha tão sonhada jornada SOLO.
ATENÇÃO: Antes de continuar esta leitura informo que o texto abaixo é longo, devido a importância e extensão da prova (e pré-prova). Este texto visa detalhar a minha participação nesta Ultramaratona e servir como consulta aberta ao público. Sendo assim, reserve um bom tempo para desfrutar desta leitura e reviver conosco esta emoção. Você poderá ler uma parte e retornar aqui quando desejar. Uma coisa é certa, você não irá se arrepender, faça parte deste caminho…
INTRODUÇÃO
A Brazil 135 Ultramarathon, conhecida como BR135, é considerada a corrida a pé mais difícil do Brasil, com um percurso de 135 milhas (217Km) encrustado nas montanhas da Serra da Mantiqueira entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Juntamente com a Badwater 135 Ultramarathon (217Km no deserto do Vale da Morte – Califórnia / EUA) e a Arrowhead 135 Ultramarathon (217Km na neve na fronteira dos EUA e Canadá) a BR135 faz parte da BAD 135 Word Cup, Copa do Mundo de Ultramaratonas em ambientes extremos, estando cotadas como uma das provas mais difíceis do planeta.
A BR135 tem apenas cerca de 20 Km planos e os quase 200 Km restantes acumulam quase 6.000 metros de desnível positivo acumulado (como pode ser observado na altimetria acima). Somado a isto o percurso é de mais de 90% em estradas de terra com muitos trechos de pedras soltas e em pleno verão brasileiro as condições climáticas só dificultam a tarefa dos atletas de percorrerem os 217Km em menos de 60h, que é o limite oficial da prova.
A prova é realizada anualmente no trecho de maior dificuldade do mais conhecido caminho de peregrinação do Brasil, chamado Caminho da Fé.
Por três anos consecutivos fui parte da equipe de apoio de atletas estrangeiros na BR135, desempenhando a função principal de pacer:
Em 2011 integrei, juntamente com mais um morador da cidade da largada e mais um carro, a equipe do atleta Gary Johnson, do Reino Unido, tendo correndo com ele cerca de 160 Km(alternando alguns trechos) e finalizamos com um tempo de 41h00min.
Em 2012 integrei a equipe de apoio do atleta Levi Rizk, dos EUA, juntamente com a namorada dele norte-americana, mais uma moradora do RJ e um carro, tendo correndo com ele cerca de 110 Km e finalizamos com um tempo de 40h25min.
Em 2013 integrei uma verdadeira expedição com a equipe do atleta Mike DeNoma, do Reino Unido, composta de mais dois moradores do RJ, um de Taiwan, outro do Reino Unido e a filha dele dos EUA, juntamente com dois carros, tendo correndo com ele cerca de 110 Km e finalizamos com um tempo de 43h29min. O qual depois também estive no mesmo ano em Death Valley para fazer o pacer dele na Badwater 135 Ultramarathon.
Aliado ao meu currículo de Ultramaratonas – agora com 29 provas – estes três anos de participação na BR135 me proporcionaram um profundo conhecimento do percurso e as estratégias que melhor se encaixam para o atleta poder cumprir seu objetivo na prova. Assim após três anos de espera fiquei muito feliz ao chegar novamente em São João da Boa Vista / SP (cidade da largada da prova) para desta vez colocar meu BIB (número de peito) e alinhar para a largada oficial da prova.
CAPÍTULO I: PRÉ-PROVA
Como esta prova exigia, os preparativos se desenrolaram durantes vários meses antes da Ultramaratona, com uma preparação intensa nos treinos sob a companhia e amizade dos companheiros da EZK Team (e vigilância de Ezequiel Morales), o acompanhamento nutricional da PROTREINA Consultoria Nutricional (com uma atenção magnífica de Carla Bogéa), incontáveis sessões de massoterapia na VALLE Bem Estar (com o Sandro Valle) e musculação.
Cerca de um mês antes da prova iniciamos a parte material dos preparativos: personalização dos carros, camisetas e todo equipamento usado na prova, além de compra de muitas coisas que ainda precisávamos.
Personalização dos materiais para a BR135
Abaixo se pode ver os suplementos que usei durante a prova, tudo milimetricamente calculado e programado. Esta foi a parte principal (cerca de 90%) de minha ingestão durante a prova.
Toda suplementação utilizada na prova – milimetricamente calculada e programada
Minha equipe estava excelente:
* Nilce Marcelino (minha querida esposa e apoiadora nos treinos, aventuras e de quase todas as Ultramaratonas)
* Filipe Marcelino (meu filho que também sempre participa dos apoios de quase todas as Ultramaratonas)
* Marcelo Sampaio (parceiro de dois EL CRUCE [2012 e 2013], apoio na Ultramaratona dos Anjos 235K [2012] e de outras aventuras)
* Rodrigo Sampaio (filho do Marcelo e também parceiro de treinos e provas menores, agora estreando no mundo das Ultramaratonas)
* Alessandra Vargas (grande amiga e incentivadora, apoio na Ultramaratona dos Anjos 235K [2012] e de todas as Ultramaratonas que eu chamar)
* Nivaldo Lima (amigo do quartel, participante de minha equipe na BR135 [2013] e apoio na Volta do Lago Brasília 100K [2013])
A nossa disposição tínhamos dois excelentes carros:
* FORD EcoSport 2.0 4WD (meu carro)
* TOYOTA Hilux 4×4 Diesel (pick-up que Alessandra conseguiu emprestada para usarmos)
Ainda tínhamos uma mountain bike a nossa disposição, que foi presa no rack de teto de meu carro.
Nossos carros, já personalizados para a BR135
CAPÍTULO II: ATÉ A LINHA DE LARGADA
Como a largada da prova estava marcada para sexta-feira (17/01) e o pre-race meeting para quinta-feira (16/01), decidimos sair de Niterói na quarta-feira (15/01) de manhã, para uma viagem de 510 Km até São João da Boa Vista.
Pit-stop na viagem para a BR135
Após pararmos em um supermercado em Pouso Alegre para fazermos as últimas compras antes da prova, seguimos o nosso destino e chegamos no início da noite ao Manezinho’s Palace Hotel onde ficamos por duas noites antes da largada. Partimos então para o jantar e depois o merecido descanso.
Jantar na chegada à São João da Boa Vista
O dia seguinte iniciou-se prometendo ser muito agitado. A primeira atividade foi um treino leve de 30 minutos, para não deixar o corpo descansar muito e ficar pronto para o dia seguinte. Marcelo e Nivaldo me acompanharam neste trote leve. Logo em seguida fomos para o café da manhã.
Agora fomos todos juntos para a Sociedade Esportiva São Joanense, onde estava marcado a entrega de documentos e retirada de kits.
Entrega de documentos e retirada de kit
Além disto tínhamos também outras atividades oficiais da prova: pesagem, entrevista, foto oficial e retirada do rastreador (me monitoraria por todo o percurso da prova).
Pesagem oficial pré-prova: 74,0 Kg
Entrevista oficial pré-prova
Retirada do rastreador
Devido ao aniversário de 10 anos da BR135 o nível da prova foi altíssimo e contou com um número maior de atletas do que de costume. Foram 130 atletas no SOLO (incluindo vários campeões da prova e os únicos dois bicampeões), sendo que destes 42 foram estrangeiros (18 países), além dos 30 atletas em dupla, 12 atletas em trio e 48 atletas em quarteto.
Listagem de todos os atletas da BR135 2014
Fotos oficiais
Após estas tarefas oficiais matinais voltamos ao hotel para vermos em conjunto um compilação de 2h dos vídeos (o original tem 19h) que fizemos na Ultramaratona dos Anjos 235K. Assim pudemos ver e aprender com nossos erros e acertos para fazer melhor desta vez.
Com a fome já chegando, deixamos o restante do vídeo para a parte da tarde e voltamos à Sociedade Esportiva para o almoço oferecido pela Prefeitura, com o pre-race meeting em seguida.
Pre-race meeting
Voltando ao hotel era hora de fazer todos os ajustes finais nos equipamentos e em todos os materiais a serem usados na prova. Reunimos toda a equipe em meu quarto para deixar todos cientes de onde estaria tudo e diminuir os problemas durante a prova. Cada um foi ajeitando suas coisas e no início da noite vimos o restante do vídeo que começamos de manhã e depois partimos para o jantar, voltando cedo ao hotel para descansar para o dia seguinte.
Após uma boa noite de sono, acordamos cedo, pois marcamos para sair do hotel às 7h após o café da manhã.
O hotel fica a cerca de 1 Km do local da largada e assim que chegamos à Praça Central de São João da Boa Vista já encontramos uma verdadeira festa de confraternização e alegria entre os Ultracorredores e suas equipes de apoio.
Chegando na largada
Após uma brilhante execução do Hino Nacional Brasileiro com hasteamento do Pavilhão Nacional todos os atletas se reuniram atrás da faixa de largada aguardando a contagem regressiva oficial.
CAPÍTULO III: TRECHO 1 > São João da Boa Vista – Águas da Prata (19Km)
Pontualmente segundos antes das 8h foi dado o início à contagem regressiva para a largada.
Dada a largada para a BR135 2014
Como estratégia para este trecho, pedi ao Marcelo para me acompanhar de bike no início do trecho, pois até o KM 6 tínhamos um trecho de asfalto, que seria mais fácil de acompanhar de bike e daria o tempo necessário para os carros nos alcançarem, saindo do tumulto inicial da largada, assim poderia colocar a bike na caçamba da pick-up e logo depois Rodrigo entraria correndo comigo do KM 10 ao KM 19, único trecho da prova que é certo dos carros de apoios não irem pois é uma trilha estreita.
Então saímos correndo, Marcelo foi com o cinto de hidratação e uma garrafa na bike com água enquanto eu fui com meus suplementos nos bolsos até para 3h de prova (margem de segurança para se tivéssemos algum problema).
O trecho até Águas da Prata engana os atletas, pois apesar de começar fácil, depois do KM 10 inicia-se uma série de subidas duras, acumulando mais de 700m de desnível positivo, em seguida têm-se uma longa descida perigosa de pedras soltas, porém este trecho tem uma beleza ímpar, pela vegetação neste ponto do Caminho da Fé.
Trecho inicial de asfalto (KM 5)
Fomos seguindo curtindo este início de prova, conversando e vendo os loucos estilos de vários atletas da prova.
Por volta de 20 minutos depois começou a passar por nós vários carros de apoio e já fui falando para o Marcelo que logo nossos carros chegariam, porém acabamos chegando no final do trecho de asfalto e os nossos carros não chegaram.
Eu dizia que não seria possível eles se perderem logo na largada, aonde quase todos os carros de apoio vão para o mesmo lugar. Porém é o que parecia ter acontecido.
A maioria dos carros de apoio param no final deste trecho de asfalto, já que à frente não tem como passar, porém vários carros (geralmente 4×4) ainda avançam por mais 4 ou 5 Km e depois retornam para o mesmo ponto anterior, para fazer o mesmo caminho dos outros carros, para Águas da Prata, pelo asfalto.
Então falei com Marcelo para seguir por mais uns 3 Km, assim daria um tempo a mais para os carros chegarem e Rodrigo assumir comigo, assim eu não ficaria com sede e não precisaria carregar o cinto de hidratação.
Porém não teve jeito, após mais um minutos não deu mais para Marcelo prosseguir, pois o percurso se tornou muito duro com subidas íngremes e de pedras soltas. Peguei então o cinto com ele, bebi um pouco de água da garrafa da bike (já quente) e segui meu caminho.
Marcelo retornou para onde os carros de apoios (das outras equipes) estavam, esperando encontrar nossos carros. Logo em seguida passou por mim retornando uma pick-up de uma equipe de revezamento e já falei com eles se poderiam resgatar meu parceiro à frente, eles afirmaram e seguiram o pegando à frente.
Na entrada da trilha fechada, já com bastante sede por algo gelado, tive que recorrer à caridade e abordei um carro de apoio de outra equipe e pedi algo gelado e me deram uma latinha de Coca-cola.
Segui em frente e venci esta primeira montanha obtendo em seguida o visual da cidade da Águas da Prata, agora seria só descer para terminar este primeiro trecho. Mesmo tomando muito cuidado com as pedras soltas (lembrando que no ano passado o Mike torceu o tornozelo nesta descida) acabei pisando em falso numa pedra mas consegui me estabilizar sem maiores problemas.
Pouco antes de terminar a trilha, ainda na dúvida se encontraria minha equipe (mas sem me abalar por isto), avistei o Marcelo subindo de encontro a mim empurrando a bike. Ele me disse que não sabia o que tinha acontecido com eles, pois ele foi para Águas da Prata de carona com outra equipe e acabara de encontrar eles. Mais tarde vim saber que realmente eles se perderam logo na largada e ao invés de irem nos encontrarem no KM 6 foram para a próxima cidade. Ainda bem que foi no início da prova e eu estava preparado para qualquer imprevisto.
Chegando a Águas da Prata (KM 19)
Cheguei ao posto de controle com 2h13min (KM 19) e nem parei, já entrando no próximo trecho.
CAPÍTULO IV: TRECHO 2 > Águas da Prata – Pico do Gavião (18Km / total = 38Km)
Este trecho é um dos que mais assustam os atletas, pois além de chegar ao cume da montanha mais alta da prova, com 1.663m de altitude, também soma mais de 800m de desnível positivo acumulado. Somando-se a isto neste trecho o sol já fica forte e os atletas tem poucas sombras no percurso.
Agora o Rodrigo veio comigo de bike, porém logo viu que a dificuldade seria grande e já a guardou novamente na pick-up, aposentando-a oficialmente da prova. Na verdade, nesta edição da BR135 foi excepcionalmente liberado o apoio de bike, mas eu já tinha duvidado da eficácia dela devido a dificuldade do percurso, a não ser que fosse pilotada por um biker muito experiente, o que acabou sendo comprovado com pouco mais de 2h de prova.
Seguindo o caminho pedi que me dessem Accelerade, que eu deveria ter tomado no percurso anterior e não fiz por conta da perda dos carros.
Equipe já trabalhando muito para me ajudar (KM 23)
Neste trecho o revezamento dos nossos pacers se iniciou intensamente e todos corriam pequenos trechos comigo, visto que meu ritmo era forte (cerca de 5:30min/Km) e eles preferiam ficar no carro.
Aproveitei para começar a ver meus papéis de estatística e tempos do percurso que elaborei, assim podia ver o que tinha agora pela frente, além de saber se o que estava fazendo na hora e tinha acabado de fazer estava dentro da ideia.
Concentrado na corrida e na estratégia em mãos (KM 26)
Chegando ao KM 34, onde se bifurca para a subida final do Pico do Gavião, alguns carros de atletas não fazem esta subida íngreme, visto que são 4 Km para subir e depois o mesmo caminho de volta descendo ao ponto anterior, porém insisti que os dois carros nossos subissem para aproveitarmos o visual ímpar do cume.
Também à caminho do Pico do Gavião, com o aumento da temperatura ambiente comecei a usar meu borrifador, uma excelente ferramenta que aprendi na Badwater e se mostrou MUITO EFICAZ por aqui também. Nivaldo começou a correr comigo nesta subida.
Subindo e com o borrifador em mãos (KM 35)
Neste trecho pude cruzar com alguns atletas mais rápidos que eu, que já desciam do cume, uns eu não vi mais, mas alguns outros eu fui passando com o decorrer da prova.
O final da subida do Pico do Gavião é bem cruel, após um longo trecho de terra vem o derradeiro ataque ao cume onde os carros sobem berrando em 1ª marcha. Nivaldo acabou também sentiu muito esta subida e apesar de eu ter falado para ele pegar uma carona ele veio comigo (depois me disse que acabou ficando quebrado o restante da prova).
Chegando ao final da subida do Pico do Gavião (KM 37)
Por fim cheguei ao topo do Pico do Gavião e conforme combinei com a equipe eles já me esperavam com um esquema armado para meu primeiro rápido pit-stop. E foi bem rápido mesmo, somente o tempo necessário para a troca de meias e bandagens dos pés. Estava usando meu ASICS Gel-CUMULUS 15 e permaneci com ele, pelo conforto e amortecimento.
Pit-stop rápido no cume do Pico do Gavião (KM 38)
Todos trabalhavam em conjunto neste momento: Nilce cuidava de meus pés, Filipe me molhava com o borrifador, Marcelo e Rodrigo cuidavam das roupam (inclusive pedi para lavarem minha camiseta para eu a colocar de volta), Alessandra tirava fotos e Nivaldo verificava os carros.
Enquanto meus pés iam ficando prontos eu já aproveitava para, conforme nossa programação, beber uma Coca-cola e comer umas batatas cozidas (que acabei levando descida abaixo e comendo também).
Enxuguei-me na toalha e rapidamente levantei-me para seguir montanha abaixo. Levei 2h32min para completar este trecho e o tempo total oficial de prova era 4h45min (KM 38).
CAPÍTULO V: TRECHO 3 > Pico do Gavião – Andradas (22Km / total = 61Km)
Os 4 Km iniciais são bem duros, com a mesma ladeira muito íngreme que acabara de subir, mas agora descendo. Depois o trecho se torna mais fácil pois é de predominância de descidas, com mais de 900m de desnível negativo acumulado e algumas subidas, com quase 300m de desnível positivo acumulado.
O início da dura e linda descida do Pico do Gavião (KM 39)
No entanto apesar de muitas descidas o calor foi um implacável companheiro neste trecho. Alessandra correu comigo boa parte deste trecho, sempre com o borrifador em mãos.
Longa descida até Andradas (KM 50)
O forte sol me fez colocar em prática outra estratégia trazida da Badwater, o gelo em volta do pescoço, que dá um bom alívio no calor.
Faltando 9 Km para a cidade de Andradas decidimos que meu carro deveria seguir direto pelo asfalto, para providenciar um reparo nele e o almoço da equipe, enquanto a pick-up continuaria comigo pela estrada de terra.
Logo depois ultrapassei um dos dois bicampeões da BR135, ele caminhava e parecia ter quebrado por ter iniciado muito forte. Mais tarde soube também que o outro bicampeão e atual recordista da prova também desistira. Mas um sinal que a prova é duríssima e não perdoa os mínimos erros.
Então fui chegando à área urbana de Andradas e após algumas curvas no asfalto avistei a praça onde se encontrava o posto de controle, chegando nele após 2h23min de ter saído do cume do Pico do Gavião. O tempo total oficial de prova era 7h08min (KM 61).
Novamente preferi não parar e segui em frente para o próximo trecho.
CAPÍTULO VI: TRECHO 4 > Andradas – Serra dos Limas (15Km / total = 77Km)
Este trecho apesar de ser um pouco mais curto possui uma serra bem cruel, que com as outras subidas deste trecho somam quase 500m de desnível positivo acumulado.
Eram quase 4 horas da tarde e o sol não parecia dar trégua. Eu continuava, desde o início da prova, fazendo minhas ingestões de suplementos programadas a cada 30min, sempre que meu GPS alertava. O trabalho de equipe também era incessante e precisava me fornecer bebidas muito geladas. Também constantemente fazia a reaplicação de protetor solar e continuava com o borrifador de água e gelo no pescoço.
Sob o sol inclemente no caminho para a Serra dos Limas (KM 64)
Faltando uns 3 Km para chegar à Pousada Dona Natalina (onde fica o posto de controle), falei para um dos carros seguir em frente para agilizar a compra do macarrão que eu jantaria mais tarde.
Lá também tem à disposição dos atletas além de comida, quarto para descanso e banho.
Nos três anos anteriores os atletas que eu acompanhei utilizaram este serviço e lembro-me bem que já saíamos de lá utilizando os coletes refletivos (que é de uso obrigatório entre 18h e 6h).
Porém desta vez, como estava muito bem e consciente do que estava fazendo, preferi seguir sem parar e aproveitar ao máximo a luz solar. O sol ainda estava forte.
Levei 2h09min neste trecho e passei pelo posto de controle sem parar e o tempo total oficial de prova era 9h17min (KM 77).
CAPÍTULO VII: TRECHO 5 > Serra dos Limas – Barra (6Km / total = 83Km)
Este é o trecho mais curto de toda a prova, o que eu gosto muito, pois sempre quando entro ou saio de uma cidade sempre tem um trecho urbano (ou meio urbano) antes e depois, o que acaba motivando um pouco mais por ver pessoas e lugares diferentes.
Além de ser mais curto também é de predominância de descidas, só tendo quase 100m de desnível positivo acumulado em uma única subida que é logo saindo do posto de controle. Ao chegar no topo desta vi meu amigo Raphael Bonatto, de Curitiba que também estava competindo no SOLO. Ele estava sentado ao lado de seu carro de apoio junto com a esposa que preparava um macarrão para ele. Então decidi me juntar a ele e pedi para Nilce montar a cadeira próximo pois queria trocar os tênis e meias. Enquanto Nilce cuidava de meus pés eu conversava com o Bonatto que acabou me cedendo um emplasto para colocar na sola de meu pé esquerdo que estava com dores, pois o meu emplasto tinha sumido pelo nosso carro. Agora coloquei o ASICS Gel-Fuji Trabuco.
Somente passando o tempo necessário para o cuidado dos pés levantei e me despedi de meu amigo, seguindo o caminho para Barra.
A descida para Barra (KM 80)
Como esperado a (micro) cidade chegou logo e levei apenas 49min após ter saído da Serra dos Limas para passar por lá e novamente não parei seguindo adiante e o tempo total oficial de prova era 10h06min (KM 83).
CAPÍTULO VIII: TRECHO 6 > Barra – Crisólia (15Km / total = 99Km)
Para Crisólia o trecho é bastante diversificado, contando com boas subidas e descidas na mesma quantidade e somam quase 400m de desnível positivo acumulado.
Saberia que este seria o último trecho a ser percorrido com a luz solar e portanto não iria diminuir agora para aproveitar o dia claro.
Indo para Crisólia no final do primeiro dia (KM 89)
Com o início da noite (mesmo ainda claro) foi notável a queda de temperatura, mas por enquanto isto era ótimo para mim, somente parei de usar o borrifador e gelo que já foi o necessário para o equilíbrio térmico.
Neste trecho, cumprindo as regras e alertado por minha equipe, coloquei meu colete refletivo, assim como todos que corriam comigo usavam também.
Fiquei muito feliz por chegar à Crisólia ainda com a luz do dia, isto significava segundo minhas estatísticas, uma melhora de 2h31min do meu melhor tempo registrado nesta cidade como pacer nos outros anos de BR135.
Conforme programado, já pedi aos carros que se adiantassem quando faltou 2 Km para à cidade, para que montassem a estrutura para eu sentar e trocar as meias enquanto comia um macarrão (comprado na Serra dos Limas) com Coca-cola. Nivaldo seguiu correndo comigo até a praça central de Crisólia.
Chegando lá sentei e pedi que me cobrissem com uma manta térmica enquanto os trabalhos eram feitos, assim evitaria que eu perdesse o calor corporal, importante neste momento que o frio iniciara.
Macarrão com Coca-cola enquanto era feito o cuidados dos pés (KM 99)
Assim que meus pés ficaram prontos deixei minha quentinha de lado e voltei ao caminho. Pedi meu corta-vento Kailash para continuar aquecido por mais uns 5 minutos e depois o retiraria. No entanto acabei o usando até o amanhecer, devido ao frio que fez de madrugada.
Levei neste trecho um tempo de 2h01min e entrei no próximo trecho com o tempo total oficial de prova de 12h07min (KM 99).
CAPÍTULO IX: TRECHO 7 > Crisólia – Ouro Fino (7Km / total = 107Km)
Este trecho é bem rápido e conta com apenas algumas subidas e descidas na mesma proporção que somam quase 200m de desnível positivo acumulado.
Foi o primeiro trecho noturno, mas não usei lanterna, pois pedi que um dos carros estivesse sempre atrás de mim iluminando o caminho enquanto o outro permanecia uns 50 metros à frente, assim eu podia ter uma visão mais ampla do caminho para ver o que teria de imediato pela frente e decidir o que fazia (corria mais forte, corria mais lento ou caminhava) e ainda também pedi que no trecho noturno sempre algum pacer estivesse comigo e com uma lanterna para algum trecho mais complicado.
Já de noite rumo à Ouro Fino (KM 103)
Rapidamente chegamos à rodovia que temos que atravessar para dar acesso à Ouro Fino onde podemos ver o conhecido monumento do menino da porteira na entrada da cidade.
Entrando em Ouro Fino (KM 106)
Após uma última subida íngreme, já dentro da cidade chegamos à praça central com a belíssima Igreja ao fundo que marca o final deste trecho.
Levei neste trecho um tempo de 1h03min e entrei no próximo trecho sem parar com o tempo total oficial de prova de 13h10min (KM 107).
CAPÍTULO X: TRECHO 8 > Ouro Fino – Inconfidentes (9Km / total = 116Km)
Mais um trecho rápido e com mais descidas que subidas, onde as subidas somam cerca de 100m de desnível positivo acumulado.
Uns 2 Km à frente decidi parar rapidamente para trocar novamente os tênis e meias. Da mesma forma anterior a equipe montou a cadeira e sentei com Nilce cuidando de meus pés. Coloquei agora o THE NORTH FACE Hayasa, que deixaria meus pés um pouco mais leves e confortáveis. Segui em frente.
O diferente deste trecho, e que acaba confundindo muitos atletas (ainda bem que eu não, pois lembrei disto dos outros anos) é que o posto de controle não é no centro da cidade e sim depois. O atleta passa por um boulevard bem movimentado nesta hora (22:20) com os bares cheios e os frequentadores sempre interagem com os atletas, passa-se a igreja e tem que sair do centro até a rodovia onde uns 2 Km à frente se encontra um posto de combustível com o posto de controle.
Chegando a Inconfidentes (KM 114)
Ao avistar o posto de combustível já falei com minha equipe que não iria parar e que eles fossem ver para avisar aos fiscais que eu estava passando.
Tudo estava em perfeito estado e controlado. Levei neste trecho um tempo de 1h24min e com o tempo total oficial de prova de 14h34min (KM 116).
CAPÍTULO XI: TRECHO 9 > Inconfidentes – Borda da Mata (21Km / total = 137Km)
Com a experiência de quatro anos na BR135 eu tenho certeza que agora é chegada a parte mais difícil do percurso.
São 100 Km divididos em cinco trechos bem difíceis (e longos) neste fim de prova. Tenho certeza em afirmar que se aqui fosse uma prova de 100 Km neste trecho final da BR135 seria uma das mais difíceis do mundo.
Este trecho noturno me reservava muitas subidas e descidas duras somando mais que 400m de desnível positivo acumulado.
Seguindo pela noite até Borda da Mata (KM 122)
Eu continuava minha tática de corrida nas maiorias dos trechos e caminhada rápida onde não corria, conseguindo evoluir rapidamente pelo Caminho da Fé ajudado por minha equipe de apoio, sempre me lembrando dos suplementos a cada 30min, fornecendo bebidas geladas e iluminando o caminho.
Lembro-me que das outras três vezes na BR135 chegávamos à praça central de Borda da Mata sempre de manhã cedo e aproveitávamos a grande movimentação em frente à Igreja e também a padaria para tomar um café da manhã. Porém desta vez cheguei aqui bem de madrugada (logo após a 1h da manhã) e estava tudo vazio e deserto, apenas uns carros de apoio.
Novamente não parei e segui logo pelo caminho. Levei neste duro trecho um tempo de 2h47min (podemos ver a dificuldade do trecho – até agora foi o trecho de maior tempo, mesmo não diminuindo o ritmo). Entrei no próximo trecho com o tempo total oficial de prova de 17h21min (KM 137).
CAPÍTULO XII: TRECHO 10 > Borda da Mata – Tocos do Mogi (17Km / total = 153Km)
Mais um duríssimo trecho para maltratar os Ultramaratonistas. Neste trecho as subidas são arrasadoras e somam quase 800m de desnível positivo acumulado, além das descidas de pedras soltas de quase mesma quantidade que para mim, com este tempo de prova, são piores que as subidas.
Cabe-se ressaltar que no Caminho da Fé existe muitas fontes de água mineral que os atletas e equipe podem usufruir, porém este ano devido ao forte calor sem chuvas na região os níveis de água estavam baixos, no entanto ainda tínhamos boas fontes, como podemos ver uma abaixo.
Na fonte de Nossa Senhora chegando à Tocos do Mogi (KM 152)
Assim cheguei à Tocos do Mogi, onde apesar do frio da madrugada dois atenciosos staffs nos esperavam. Neste trecho levei um tempo de 3h16min (novamente o maior tempo num trecho até então. Pode-se ter a ideia da dificuldade do trecho pelo tempo deste trecho no ano passado: 4h51min.
A diferença entre meu tempo neste ano e nos anos anteriores era enorme. Iniciei o próximo trecho com o tempo total oficial de prova de 20h37min (KM 153), enquanto o melhor tempo que tinha era de 27h00min em 2011 e o pior de 28h36min no ano passado.
CAPÍTULO XIII: TRECHO 11 > Tocos do Mogi – Estiva (21Km / total = 175Km)
Este trecho que leva até Estiva é o que eu considero o mais difícil de toda a prova, sem esquecer que os 5 últimos trechos são muito difíceis, porém somente neste trecho as subidas extremamente íngremes somam quase 800m de desnível positivo acumulado e as terríveis descidas maiores ainda que as subidas.
Sai da praça, numa subida muito íngreme, bem animado, mas sabendo o que teria pela frente. Queria avançar o máximo possível ainda na escuridão, sabendo que o sono poderia vir a qualquer momento, sobretudo quando amanhecesse.
Quando estava com 21h45min de prova (5h45min da manhã do segundo dia) precisei parar para ir ao banheiro (no mato para fazer o #2). Então vendo que o sol surgiria em pouco minutos por trás das montanhas, decidi então trocar de meias, tênis e bermuda (1ª vez – devido ao excesso de suor já estava me assando um pouco, pois de dia o suor seca com o calor, mas de noite ele se acumulava mais). Sabendo que eu precisaria de alguns minutos de sono a qualquer momento, pedi que colocassem logo o colchonete no chão para eu dormir 15 minutos e deitei. Mas ao invés de apagar logo permaneci acelerado e não consegui dormir. Fiquei ouvindo o som das aves e prestando atenção se algum atleta me passaria, pois tinha visto várias lanternas atrás de mim quando eu estava no topo da última montanha. Mas ninguém me passou e eu não consegui dormir, minha equipe foi dormir nos carros e Marcelo ficou me vigiando ao meu lado com uma lanterna. Após 10 minutos falei para ele que iria levantar e seguir em frente, pois não consegui dormir e que se desse sono deitaria logo à frente. Seguimos e o sol raiou.
Eu sabia que se deitasse agora não conseguiria dormir, provavelmente pelo efeito da cafeína dos produtos que tomei durante a noite, então tentaria me manter em pé até Estiva, onde pararia com calma.
Chegamos numa descida imensa de pedras soltas e muito íngreme mesmo. O ritmo era tão lento para descer que assim eu demorava mais que o dobro de tempo que levava para subir as montanhas anteriores caminhando. Pedi ao Rodrigo para ir ao meu lado e ficar me vigiando para eu não cair devido ao cansaço. Ele tomou vários escorregões nas pedras mas eu me mantive firme, estava mais lento, mas no meu limite.
Na manhã do segundo dia na terrível descida para Estiva (KM 166)
Com 23 horas de prova tomei meu último preparado de suplementos. Decidi que iria parar de tomar pois estava com a boca ficando com sensação de dormência devido a quantidade de coisas doces. Cheguei até a escovar os dentes caminhando mesmo para ver se melhorava um pouco e também queria ver se assim relaxava um pouco para dormir. Em certos momentos eu pensava que simplesmente iria apagar e cair ao chão, devido ao cansaço e sono. Eu fazia de tudo para chegar à praça central de Estiva, pois sabia que lá poderia deitar e relaxar por uns minutos.
Quando estávamos perto da cidade pedi aos carros para adiantarem e montarem o colchonete para eu dormir. Eu pensava que já iria chegar apagando de sono e pedi que trocassem minhas meias e tênis e que me acordassem depois de 15 minutos.
Ao chegar à praça desabei no colchonete, porém novamente não consegui relaxar e agora estava pior ainda, sentia uma angustiante taquicardia.
Deitado na praça de Estiva (KM 175)
Olhei para o lado e só vi o Nivaldo. Perguntei a ele onde estava todos, pois precisava de ajuda, ele disse que todos foram à padaria. Pedi para ele sentir minha pulsação que eu pensava estar acima dos 180 batimentos por minuto, ele inicialmente não conseguia sentir nada, mas depois me disse que achava que estaria por volta de 70. Pedi para ele ir chamar Nilce e ele foi. Eu só pensava que iria apagar e acordar depois de muito tempo e em outro lugar. Nilce chegou e também ficou preocupada e demorei certo tempo para relaxar um pouco, mas não conseguir de maneira nenhuma dormir. Realmente era o efeito da cafeína, que foi muito útil para me levar com rapidez durante toda a noite mas agora estava atrapalhando.
Resolvi levantar e ir embora cambaleando, pois já tinha perdido um tempo precioso aqui e sentia que poderia ficar mais tempo aqui e não adiantaria nada, só me restava a opção de seguir em frente, mesmo que muito devagar.
No total levei neste trecho um tempo de 5h20min (incluindo o tempo parado). Entrei no próximo trecho com o tempo total oficial de prova de 25h57min (KM 175).
CAPÍTULO XIV: TRECHO 12 > Estiva – Consolação (20Km / total = 195Km)
“Somente” a distância de uma maratona me separava agora da linha de chegada, no entanto além de eu estar num estado muito ruim, com sono e sem conseguir dormir, o trajeto até lá era terrivelmente difícil.
Neste trecho agora as subidas somam quase 700m de desnível positivo acumulado e ainda tinha também muitas decidas doloridas.
A saída de Estiva é característica por descermos, subirmos e descermos por dentro do centro da cidade e depois atravessarmos uma rodovia por cima de uma passarela para depois entrar novamente na estrada de terra.
Entrando novamente na estrada de terra para Consolação (KM 178)
O sol abrira com força total e bombardeava minha cabeça que fervia. Após alguns minutos decidi parar e sentar um pouco e beber com calma um suco, resolvi também voltar a tomar BCAA, para não ficar sem suplemento algum.
Pausa rápida para fugir do sol (KM 180)
Logo voltei ao caminho, mas o sono lutava contra mim, mesmo correndo eu não me sentia bem, sabia que não seria suficiente deitar no colchonete para dormir e após mais uns minutos falei com a equipe para parar o carro numa sombra que eu deitaria dentro do carro no confortável colchão onde todos dormiam durante a prova. Talvez com um pouco mais de conforto eu relaxaria.
Então parei e deitei por uns três minutos dentro do carro mas não adiantava, não desacelerava e pregava os olhos. Falei para Nilce que não sabia o que fazer mais, teria que me arrastar assim até não sei quando. Então Nilce disse que havia ali do lado uma fonte d’água e se queria que jogasse água gelada em minha cabeça. Então eu disse para colocar a cadeira debaixo da fonte para me molhar sentado. Foi um choque térmico que na hora me deu uma tremedeira e me despertou. Levantei-me e segui. Disse que teríamos que fazer isto por várias vezes para me manter na ativa. Estava decidido então que como eu não conseguiria dormir, que desistiria totalmente disto.
Eu seguia por uns quilômetros e depois parava novamente, sentava e eles jogavam água de gelo sobre mim. A sensação não era boa, mas assim poderia continuar rumo à linha de chegada. Também molhava a toalha na água de gelo e seguia com ela na cabeça, que ajudava a refrescar e proteger do sol intenso.
Muito calor no segundo dia de prova (KM 187)
Repetimos algumas vezes o parar e jogar água de gelo. Em outras vezes em sentava no banco carona do carro parado e ficava com a ar condicionado no máximo por alguns minutos, isto me ajudava a prosseguir por mais um tempo antes de parar novamente. Cada um da equipe seguia fazendo um pouco para me motivar.
O apoio fundamental para prosseguir (KM 189)
Mas a luta era minha e eu sabia que não pararia de lutar até a linha de chegada. Não seria fácil e eu bem sabia das duríssimas montanhas que ainda tinham pelo caminho e que eu deveria transpor.
Minha luta pessoal contra as montanhas da BR135 (KM 191)
Para chegar à Consolação as dificuldades não cessavam e a equipe se revezava para cada um ficar um pouco comigo neste duro trecho.
Revezamento da equipe rumo à Consolação (KM 193)
Por fim cheguei à praça central de Consolação, que neste ano estava fechada por tapumes de obras, mas a típica torcida das casas em frente continuava presente e apoiando os atletas e equipes, oferecendo café e outras coisas.
Chegando em Consolação (KM 195)
Deitei ao lado da praça numa sombra e pedi para Nilce trocar minhas meias e tênis pela última vez. Tirei a camiseta que usara por toda a prova e resolvi colocar agora minha camiseta da BADWATER para prosseguir neste último trecho. Levantei-me e segui o caminho. Neste trecho levei um tempo de 5h23min (o maior da prova até agora). Entrei no próximo trecho com o tempo total oficial de prova de 31h20min (KM 195).
CAPÍTULO XV: TRECHO 13 > Consolação – Paraisópolis (21Km / total = 217Km)
Mesmo estando muito cansado eu estava muito contente por sair de Consolação com o sol ainda forte do meio da segunda tarde de prova, pois nos outros três anos de BR135 eu saíra de lá já de noite.
Este trecho final não seria em nada mais fácil, mas pelo contrário, seria MUITO DURO com as subidas cruéis somando cerca de 700m de desnível positivo acumulado e as descidas ainda serem maiores.
Porém, o que para mim contava mais, era ter agora a luz solar ao meu favor. Poderia então ver todos os caminhos e montanhas antes de chegar neles e não teria também nenhum problema de marcação do percurso. Problemas estes que me atormentaram nos últimos três anos de BR135 e também fizeram muitos atletas se perderem neste trecho.
Após um pequeno trecho urbano saindo de Consolação cheguei à rodovia que me levaria uns quilômetros à frente de volta à trilha no Caminho da Fé. Poucos minutos depois passou por mim meu grande amigo Emerson Bisan, que este ano estava em dupla com a esposa dele.
Na rodovia saindo de Consolação (KM 198)
O sol continuava muito forte, tanto que pela primeira vez na prova decidi correr sem camiseta, para ver também se dava um estímulo diferente.
Apesar de o percurso ser muito difícil ele foi passando muito rápido, pois eu ia admirando toda a beleza do Caminho da Fé neste trecho final, relembrando de todas as vezes que já tinha passado por ali.
Momentos finais nas montanhas da Mantiqueira (KM 206)
Porém o percurso da BR135 não dá moleza aos atletas até o fim, as subidas e descidas duras não cessam nunca e massacram todos que conseguiram chegar até aqui.
Subidas e descidas sem fim… (KM 214)
Faltando apenas 1 Km para a chegada e apesar de já ver a cidade ao lado o percurso dá uma descida vertiginosa seguida de uma íngreme e derradeira subida. Só estando lá mesmo para saber o que significa isto no final de uma prova desta.
CAPÍTULO XVI: A CHEGADA
Desde minha primeira vez na BR135, quando terminamos durante a segunda noite de prova, fiquei com vontade de voltar à prova e terminá-la ainda de dia. Nos dois anos seguintes aconteceu a mesma coisa, terminando a prova de noite. Então esta vontade de terminar de dia se tornou um sonho. Sonho este que via neste momento tornar-se realidade.
Saudação aos finishers na praça central de Paraisópolis (KM 217)
Mesmo já tendo pensado por muitas e muitas vezes, antes e durante a prova, de como seria esta minha chegada, ela foi bem diferente.
De longe já podia ouvir os gritos do público presente e avistei a linha de chegada, que este ano, diferentemente dos outras estava muito mais bonita, sendo ornamentada com um longo cercado de grades brancas e uma faixa acima da linha final.
Minha ideia era de chegarmos todos juntos, eu e a equipe de apoio, porém eles decidiram que não e que eu chegaria somente com Nilce e Filipe.
A tão sonhada finish line
Tendo levado 5h00min neste último trecho, cruzei a linha de chegada com o tempo total oficial de 35h20min00seg.
FINISHER: 35h20min00seg
Porém logo em seguida, sem deixar à chegada já solicitei a toda equipe uma foto oficial de chegada da equipe reunida, com todos radiantes de alegria.
Foto oficial de chegada de toda a equipe
CAPÍTULO XVII: NA LINHA DE CHEGADA
Prontamente fomos todos recebidos na linha de chegada pelo diretor da prova, Mario Lacerda, sempre muito atencioso com todos.
Eu e o diretor da BR135
Todos nós ficamos muito alegres por esta atenção que recebemos e pelo clima de confraternização que pairava na linha de chegada.
Felizes pela chegada!
Assim nos reunimos para a cerimônia de premiação, que é feita sempre quando um atleta chega.
Reunidos para a premiação
O diretor explica a todos como funciona a premiação na BR135, que se iniciaria pelas pessoas mais importantes ali presentes: a equipe de apoio que fez um trabalho duro para que eu realizasse este sonho.
Então eu fui entregando as medalhas dos componentes da equipe de apoio, um de cada vez agradecendo pelo que tinham feito.
Aproveito então neste momento do texto para agradecer formalmente a todos, pela doação e alegria que fizeram que eu cruzasse esta linha de chegada.
* Filipe Marcelino: meu filho, que com apenas 6 anos de idade sempre gosta muito de participar das provas comigo e sempre está disposto a me ajudar de todas as formas: correndo, borrifando água etc. Obrigado por me acompanhar desde sempre!
Premiação de Filipe Marcelino
* Nilce Marcelino: minha amada esposa, que sempre me apoia em todas minhas aventuras e projetos, mesmo sendo absurdamente loucas. Obrigado por trabalhar em conjunto comigo por muito tempo para que eu pudesse dar o melhor de mim e conquistar mais este objetivo. Te amo!
Premiação de Nilce Marcelino
* Marcelo Sampaio: meu grande parceiro, que sempre acreditou em mim e no meu potencial. Obrigado por se meter nestas muitas maluquices junto comigo, muitas ainda virão!
Premiação de Marcelo Sampaio
* Alessandra Vargas: minha grande amiga, que com sua alegria me deixa sempre mais disposto a enfrentar estes grandes desafios. Obrigado pelo apoio nesta e nas outras tantas que já foram e as que ainda vão vir e sei que estaremos juntos!
Premiação de Alessandra Vargas
* Nivaldo Lima: meu parceiro de trabalho e que cada vez mais vai sendo também as das aventuras. Obrigado por estar sempre pronto e dar o máximo para melhor me apoiar!
Premiação de Nivaldo Lima
* Rodrigo Sampaio: este é meu amigo que foi a revelação do apoio e me ajudou muito. Obrigado pela força e por ajudar de todas as formas possíveis para que este caminho fosse percorrido com êxito!
Premiação de Rodrigo Sampaio
Realmente sem esta equipe eu não sei o que teria sido de mim nesta BR135. Eles se desdobraram para que tudo acontecesse na perfeita ordem.
My CREW!!!
E agora era chegada a minha vez de ser premiado, primeiramente pelo diretor com a camiseta de FINISHER.
Minha premiação com a camiseta de FINISHER!
E em seguida, pela minha ULTRA esposa, com a sonhada medalha da BRAZIL 135 ULTRAMARATHON – 10th anniversary – 2014.
Minha premiação com a sonhada medalha!
E assim ficamos todos orgulhosos e de medalhas no peito com a sensação e certeza de dever cumprido e muito bem cumprido!
Todos de medalha no peito e dever cumprido!
Agora minha próxima tarefa era assinar a faixa de chegada. Ritual este repetido por todos os atletas que cruzam esta meta.
Deixando meu registro de FINISHER!
Assim terminamos nossa jornada na BR135 2014 e ainda com luz solar! Ficamos por mais um tempo pela chegada e depois fomos para o nosso hotel, que é bem em frente da linha de chegada, o Hotel Central e da nossa janela podemos ficar conferindo os outros atletas que iam chegando. E durante a madrugada inteira chegavam atletas e eu ficava ouvindo os festejos da minha cama e por várias vezes fui à janela vê-los chegar.
CAPÍTULO XVIII: O REGRESSO
Após uma noite de sono – apesar de que nem foi de sono total e sim de ficar revirando de dores pela cama – levantamos, tomamos nosso café da manhã e fomos para a Missa na Igreja ao lado da linha de chegada. Ainda podemos confraternizar e ver muitos corredores chegarem.
Agora era hora de dar uma ajeitada nos carros, tirando o excesso de lixo, para preparar a volta para Niterói.
Os carros de apoio após a prova
Com tudo pronto era hora de nos despedirmos desta maravilhosa BR135 que certamente deixará marcas eternas em todos nós.
Despedida da BR135 2014. Prontos para retornar…
CAPÍTULO XIX: AGRADECIMENTOS
Tenho muitos agradecimentos a fazer por conta da BR135, foram muitas pessoas que me apoiaram, seja financeiramente, com equipamentos, serviços, trabalho voluntário e palavras de incentivo.
Em primeiro lugar à Deus que me fez ser forte e perseverante para seguir por toda esta jornada, começando nos treinamentos e findando em Paraisópolis e que se Ele assim desejar levaremos isto por muitas outras provas e projetos.
À minha equipe, que já fiz o agradecimento acima e tenho muito mesmo a agradecer. Muito obrigado Nilce, Filipe, Marcelo, Rodrigo, Alessandra e Nivaldo.
Aos que confiaram em mim, como atleta e pessoa, por terem investido para que eu estivesse nesta BR135 e conseguisse realizar este meu sonho.
ABAIXO SEGUE O VÍDEO QUE ELABORAMOS DE NOSSA JORNADA NA BRAZIL 135 ULTRAMARATHON 2014
Um filme de 26 minutos que complementa esta leitura e ilustra bem tudo que nós passamos para concluir este sonho:
E a grande boa notícia é que por conta do resultado que obtive na BR135 em conjunto com meu currículo de Ultramaratonas, consegui a classificação e seleção para a BADWATER ULTRAMARATHON e estarei lá em julho!
Agora é a vez de vocês meus amigos leitores de colaborarem para este site, deixem abaixo um comentário para mim e terei o grande prazer de ler e responder.
Até a próxima…
Caro Marcelino, elogiar o texto é quase inócuo mas obrigatório à todos que gostam de corridas e principalmente de ultras.
No mesmo dia que você largavam bravamente de SJBVista eu saia de Mococa em direção à Aparecida e assim pude ver algumas marcações feitas aos atletas, fiquei muito emocionado nestes momentos.
Enfim, novamente Parabéns pela bela participação e que venha BW 2015 !
Marcelino, não me lembro de ter lido um relato com tanta riqueza de detalhes como esse, além de bem detalhado é emocionante e mostra bem a total sintonia entre atleta, prova e equipe de apoio.
Não tem como, uma prova dessas tem que ter sofrimento e até uma pitada de angústia em certos momentos, faz parte do jogo.
Tenho uma dica pra dar, que diz respeito ao carro de apoio na largada, e a minha dica para não se desencontrar do carro de apoio no primeiro trecho é, pedir para que eles peguem a estrada antes da largada, ou seja, umas 7:50 libere o carro e peça para eles irem direto pra entrada da estrada de terra. A melhor opção é pedir para que ficam ou muito antes ou muito depois de onde ficam a concentração de carros de apoio para evitar aglomeração.
Os detalhes exatos quanto a altimetria são ótimos, não sabia de todos esses dados com tata exatidão, apenas corri a prova a primeira vez e de cara já decorei tudo e guardei na cabeça como trecho difícil, muito difícil e difícil demais. Quanto ao medo de se perder, com o tempo, e com você futuramente pode ser que aconteça também, dá pra se fazer a prova sem olhar se quer pra uma seta amarela.
Enfim, parabéns pela prova e pela dedicação aos treinos e também pela bela equipe de apoio que você tem. Nos vemos pelo caminho!
Parabéns mestre Marcelino! Show de bola seu relato, correr por quase 36 horas não é mole não.
Agora, esse percurso tá mais pra via crúsis do que caminho da fé, haja disposição e força de vontade o que não falta a você.
Um forte abraço,
Everaldo Motta
Meu amigo, me emocionei com seu relato, houve trechos em que imaginei bem seu esforço. Meus sinceros parabéns a você e toda a equipe. O ritual de premiação da equipe é um momento muito bonito de reconhecimento. Nesta prova me parece que cumpriu suas metas, tirando a parte do sono, mas como é que dorme com tanto esforço e agitação? Parabéns novamente foi uma grande prova. Abraço, fiquem com Deus
Meu prezado amigo Ultra-Marcelino, mais Ultra do que nunca. U elao de tirar o fôlego. Quero parabenizá-lo pela brilhante conquista deste título magnífico, de realizar uma prova de tamanha grandeza, destruindo o cronômetro e terminando-a em perfeitas condições de saúde, sorrindo como se estivesse passeando. Como disse o famoso escritor mineiro Pedro Navas "dá aflição de ver tanta saúde!". Cumprimento-o pela grandiosidade da empreitada, pela alegria, pela consideração e respeito pela equipe de apoio, pelo carinho com a família, por escrever corretamente. Um belo texto, de uma memória privilegiada. Parabéns, com todo o respeito a um atleta excepcional. Boa sorte no desafio da Badwater e nos presenteie com novos textos de novas conquistas. Grande abraço, boa sorte nos seus planos. Saúde!
Marcelino relato da BR todo detalhadissimo vc tem uma boa cabeça para se lembrar de tudo e com certeza esse relato vai ajudar muito para quem quiser se aventuar nessa prova, meus parabéns fera vc mandou super bem…Rumo a Badwater.
Abs e bons treinos,
Jorge Cerqueira
http://www.jmaratona.com
Marcelino, embora eu ainda esteja no sub 30km, foi com grande entusiasmo que li seu relato. Certamente foi uma corrida indescritível (por mais que a tentasse colocar no papel) e que ficará para a memória.
Meus enormes parabéns e no tempo oportuno pretendo me unir nesta prova!
Grande abraço e faça bonito na Badwater!